Valores pagos têm perdas de até 1.300%

A perda acumulada nos honorários médicos em alguns procedimentos chegou a quase 1.300% num período de apenas sete anos (2008 a 2014). A estimativa de defasagem foi calculada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) com base nos valores médios que os procedimentos listados na conhecida Tabela SUS deveriam atingir quando comparados aos valores referenciados pela Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM) ou se tivessem sido corrigidos por índices inflacionários como o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e o salário mínimo.

No mês passado, o CFM revelou como a falta de reajustes impacta nos custos como um todo, especialmente nos Serviços Hospitalares (SH) – caracterizado por diárias, taxas de sala, materiais hospitalares, medicamentos, exames subsidiários e terapias. Desta vez, revela os prejuízos no pagamento dos Serviços Profissionais (SP), relativos a atos dos médicos.

Para o presidente do CFM, Carlos Vital, a Medicina tem evoluído de forma dinâmica, com a incorporação de novos procedimentos e novas tecnologias. “O descongelamento e a reposição das perdas acumuladas dentro da Tabela SUS, em consultas e procedimentos, são fundamentais para manter o equilíbrio financeiro deste setor. Além das consequências diretas, como as dificuldades crescentes para atender a população e, na maioria dos casos, o endividamento, os próprios médicos sofrem com a baixa remuneração – incompatível com sua responsabilidade, dedicação e preparo profissional”, lamentou Vital.

Segundo o levantamento, a cada consulta ambulatorial realizada nos serviços contratados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o médico recebe cerca de R$ 10,00. Para tratar um Acidente Vascular Cerebral (AVC) em um paciente internado, até dois profissionais podem repartir R$ 9,20 por, no máximo, sete diárias, e que são repassados pelo Ministério da Saúde a título de remuneração pelos serviços prestados na rede pública. Esses são apenas alguns exemplos dos valores pagos às equipes médicas por procedimentos imprescindíveis à vida de milhares de brasileiros.

Também os honorários médicos para o tratamento de doenças do fígado, como cirrose ou hepatite, por exemplo, chegam a apenas R$ 59,70, divididos pelo tempo médio de oito dias de internação. Ao fim do tratamento, o pagamento pelos serviços profissionais corresponde a uma diária de R$ 7,46, valor que, muitas vezes, é dividido entre todos os médicos que assistiram o paciente. Desde 2008, a média diária de remuneração teve um reajuste de apenas R$ 0,35. Pelos principais índices de inflação acumulados no período, hoje estaria, no mínimo, em R$ 10,50. Ou ainda em R$ 57,96 se comparado ao valor diário praticado por alguns planos de saúde.

Para Hermann Tiesenhausen, diretor do CFM e médico da Santa Casa de Belo Horizonte, a Tabela SUS não responde mais às necessidades dos hospitais, nem dos prestadores de serviço. “Para trabalhar bem e ter a qualidade de vida almejada por qualquer profissional, o médico também precisa de honorários condizentes com a responsabilidade de seu trabalho e o cumprimento de jornadas exaustivas. Como manter atualizada sua capacitação e aperfeiçoamento profissional com recursos que mal pagam suas necessidades básicas?”, ponderou.

Indicadores revelam prejuízos

Quando considerados os procedimentos mais frequentemente remunerados pela Tabela SUS, o déficit é latente ao longo da última década. Com a realização de um parto, por exemplo, a equipe médica recebia, em 2008, uma diária de aproximadamente R$ 75 (cesariana) e R$ 80 (normal) a cada Autorização de Internação Hospitalar (AIH) aprovada. Sete anos depois, o valor do parto cesariano não sofreu qualquer reajuste. Já o normal passou para R$ 87,90 – 35% inferior ao que seria pago se corrigido pelo IPCA ou pelo salário mínimo. Se o fator de correção fosse a remuneração esperada na saúde suplementar, o montante chegaria a R$ 670.

Situação semelhante acontece na remuneração médica para uma colecistectomia videolaparoscopia, procedimento de remoção da vesícula biliar. Geralmente, a cirurgia envolve até três profissionais, que durante dois dias monitoram a recuperação do paciente. Em 2008, pagava-se cerca de R$ 78 ao dia para essa equipe. Atualmente, o valor médio passou para R$ 86, cifra defasada também em 35% quando comparada com os principais índices de inflação acumulados no período; ou em 1.272% na comparação com a tabela CBHPM.

No caso de uma gastrectomia total – cirurgia para remoção completa do estômago –, o déficit também é evidente. Atualmente, o valor médio pago ao dia pelos serviços profissionais é de apenas R$ 35,88, que podem ainda ser divididos entre uma equipe de até quatro profissionais. Corrigidos pela inflação acumulada, o valor estaria defasado em pelo menos 42%. Comparado à tabela CBHPM, o rombo é ainda maior: 1.284%.

Na tabela (clique na imagem para ampliar), verifica-se o déficit em procedimentos hospitalares com maior volume de produção, a partir de informações de sistema gerenciado pelo Ministério da Saúde. O levantamento não considerou falta de reajustes em anos anteriores a 2008 e nem valores de incentivo, que podem variar ou inexistir dependendo da gestão municipal.

Falta de verba aprofunda crise na área da Saúde

Na avaliação de entidades médicas, a insuficiência de recursos tem agravado cada vez mais a situação da saúde pública. “Sem recursos para administrar adequadamente, os gestores desses hospitais que prestam serviço ao Sistema Único de Saúde (SUS) passam a operar no vermelho, acumulando dívidas milionárias que tendem a se perpetuar em função da continuidade da situação”, destacou Abdon Murad, provedor e integrante do corpo clínico da Santa Casa de São Luís (MA) e conselheiro do Conselho Federal de Medicina (CFM).

Para o conselheiro, o SUS é o maior plano de saúde do País e, por isso, deveria balizar todo o sistema. “A partir do momento que a rede pública não oferece recursos suficientes aos hospitais e prestadores de serviço, ela acaba jogando compulsoriamente os pacientes para a rede privada e os planos de saúde. Trata-se de um ciclo vicioso em que, sem recursos, a assistência fica ruim, as filas aumentam e as doenças que poderiam ser prevenidas precocemente acabam se tornando graves, encarecendo ainda mais o próprio sistema”, criticou.

Tabela SUS – Sua construção foi baseada em critérios preestabelecidas, em que o valor é previamente determinado e o pagamento prospectivo. Esses critérios foram definidos através do cálculo da média de cada procedimento ou ato realizado, que foram consolidados por grupos nosológicos. O valor predeterminado é subdividido em cada componente do atendimento hospitalar: serviços hospitalares, serviços profissionais e serviços de apoio diagnóstico e terapêutico, sendo também fixada a taxa de permanência. Os serviços profissionais pelos quais os médicos são remunerados podem ser pagos de duas maneiras: diretamente pelo SUS ao médico ou através do hospital, que posteriormente repassa ou remunera o médico por tempo trabalhado. Este último é obrigatório para os hospitais públicos. Os valores são determinados centralmente, sem considerar aqueles praticados pelo mercado. A remuneração médica pela tabela do SUS é o exemplo de Remuneração por Produção, em que o produto é agregado.

Claudio Franzen, conselheiro do CFM que acompanhou o processo de criação da Tabela SUS, explica que essa defasagem nos procedimentos e nos serviços profissionais tem contribuído para o desestimulo dos médicos e dos serviços conveniados onde trabalham. “o discurso de que a Tabela SUS não existe mais e que foi substituída pela contratualização é uma falácia porquanto o valor estabelecido nos contratos tomam como base o número de atendimentos com seus respectivos quadros nosológicos e esses são valorados pela Tabela SUS. A Medicina é o único ramo em que os valores não sofrem correção mesmo que insumos, pessoal, equipamentos, impostos tenham correção. Alguns inclusive acima da inflação oficial, o que inviabiliza o setor e fragiliza a população”.

Na edição 243, de abril, o Jornal Medicina apresentou uma análise sobre o impacto da defasagem dos procedimentos nas contas das Santas Casas, que ratificam os problemas expostos. Para rever os dados e os levantamentos, acesse: http://bit.ly/1F8UfW8 .

Prefeituras pagam duas vezes menos do que o piso previsto para médicos

Além das perdas acumuladas no que é pago pela Tabela SUS, a desvalorização dos médicos ocorre também no acesso por meio de concursos públicos. Análise do CFM sobre as remunerações descritas em editais para contratação de profissionais mostra que, em média, o valor oferecido por prefeituras de todo o País representa apenas um terço do que é referenciado pela Federação Nacional dos Médicos (Fenam).

Atualmente, o piso pleiteado é de R$ 11.675,94 para 20 horas semanais de trabalho. Segundo os editais lançados no primeiro trimestre de 2015, no entanto, a média de salários oferecidos é de R$ 3.941,74 para essa jornada.

O vencimento mais baixo aparece em edital lançado pela prefeitura de Baependi (MG), onde a remuneração inicial é de aproximadamente R$ 1.200. Na outra ponta, o maior salário foi oferecido pelo município de Ibema (PR): R$ 8.955. Algumas cidades oferecem ainda salários de R$ 1.500 por 10 ou 30 horas semanais, como Irará (BA) e Raposos (MG), respectivamente.

Para jornadas de 40 horas/ semanais, os valores variam entre R$ 2.300 – em Icatu (MA) – e R$ 14.262 – em Irineópolis (MG). Neste caso, a remuneração média ficou em R$ 8.202 no período apurado. Para o conselheiro Donizetti Giambernardino, coordenador da Comissão Pró-SUS Remuneração e Mercado de Trabalho, os dados apurados estão muito distantes dos super salários anunciados pelas prefeituras por meio da imprensa de tempos em tempos. “Esta é a realidade dos médicos que procuram um trabalho formalizado no Sistema Único de Saúde (SUS). Qualquer valor acima desses com certeza será temporário e precarizado, ou seja, sujeito aos ânimos dos gestores locais”, ressaltou.

Para o CFM, a criação de uma carreira de Estado para o médico, a exemplo do que ocorre no Judiciário, além de servir como medida para fixação dos profissionais no interior do País, diminuiria essas distorções. “A carreira médica deveria contemplar concurso público, piso salarial, mobilidade, ascensão funcional e estímulo à qualificação. Isso permitiria ao médico a dedicação em período integral de 40 horas, a fixação de profissionais em áreas de escassez e o aperfeiçoamento continuado. Isso geraria benefícios à saúde da população”, defendeu Giambernardino, que representa o Paraná no CFM.

O piso definido pela Fenam é calculado anualmente, e serve para orientar as negociações coletivas da categoria. Para calcular o reajuste, a Federação utiliza o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O índice acumulado, em 2014, foi de 6,23%. O piso surgiu da interpretação da Lei nº 3.999/61, que estipula o salário mínimo dos médicos. A Lei, do momento em que vigorou o parlamentarismo em nosso país, estabeleceu que o mínimo salarial para os médicos e cirurgiões dentistas deveria corresponder ao valor de três salários mínimos nacionais e mais um regional.

De acordo com a Constituição Federal, o salário mínimo deve ser capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e da família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.

Youtube Instagram Facebook
Aviso de Privacidade
Nós usamos cookies para melhorar sua experiência de navegação no portal. Ao utilizar o Portal Médico, você concorda com a política de monitoramento de cookies. Para ter mais informações sobre como isso é feito, acesse Política de cookies. Se você concorda, clique em ACEITO.