É lamentável ver como a Assembleia Legislativa de Rondônia se porta em torno da discussão de assunto tão importante como é a qualidade do atendimento médico oferecido à população. Em lugar de se preocupar em debater e aprovar propostas que garantam aos médicos e equipes condições de trabalho dignas, criando condições para a oferta de uma assistência segura e eficaz, os deputados apostam suas fichas em soluções que nem de longe atingem esses objetivos.

Na terça-feira, quando foi aprovado em primeiro turno o projeto de lei PL 1.022/2021, que permite a contratação de portadores de diplomas de medicina obtidos no exterior sem a aprovação em exame que testa o nível de conhecimento dos candidatos, os senhores deputados fizeram um gesto que pode custar vidas e o bem-estar de milhares de rondonienses.

Caso essa proposta seja aprovada, e posteriormente sancionada pelo Governador Marcos Rocha, conscientemente, esses políticos colocam a população na berlinda, exposta ao risco de serem atendidas por pessoas que não sabem o mínimo sobre medicina. Neste cenário catastrófico, os rondonienses ficam à mercê de indivíduos que, com a melhor das intenções, podem oferecer diagnósticos equivocados e prescrever tratamentos indevidos ou desnecessários.

Os desdobramentos de atos deste tipo são múltiplos. Vão desde efeitos adversos, que podem ser mais ou menos graves, dependendo do que foi prescrito, até o retardamento do início de abordagens terapêuticas efetivas, reduzindo chances de cura e aumentando a possibilidade de morte em determinadas situações.

Como esses indivíduos devem buscar abrigo em serviços da rede pública, se o texto realmente virar lei, é fácil deduzir que as consequências dessa brincadeira de mau gosto da Assembleia Legislativa de Rondônia recairão sobre os ombros das faixas mais pobres e vulneráveis da população.

Tenho dúvidas de que os deputados e deputadas que aprovam essa aberração farão fila nos postos de saúde da capital para serem acolhidos por uma dessas pessoas que beneficiam. Provavelmente, continuarão a frequentar clínicas particulares, em Porto Velho, buscando orientação com médicos de formação reconhecida no País. Outra possibilidade é que sigam o rumo do aeroporto para buscar tratamento em hospitais de referência em São Paulo ou Rio de Janeiro, onde os donos de diplomas bolivianos e paraguaios não atuam.

Em síntese, com a aprovação desse projeto de lei, nossos deputados e deputadas conseguiram, em minutos, criar em Rondônia duas castas no que se refere à saúde: a dos cidadãos de primeira classe, que podem receber assistência de médicos bem-preparados, em escolas brasileiras; e a dos cidadãos de segunda classe, para quem vale tudo ou qualquer coisa.
Aos que consideram exagero esse raciocínio, basta lembrar que esses portadores de diplomas optaram pelo caminho da política para alcançar o objetivo de atuar no Brasil por uma razão muito simples: não comprovam competência técnica ao nao passar pelo Revalida – um exame criado pelo governo e que os avalia de forma básica. Ora, se alguém tem dificuldades de diagnosticar uma pneumonia terá arsenal cognitivo para identificar um AVC?

Detalhe: essas pessoas que forçam a porta para cuidar da sua saúde – sabe-se lá de que jeito – não estão impedidas de fazerem as provas do Revalida, que este ano já está concluindo sua segunda etapa. Se nas provas mostrarem competência, habilidades e atitudes serão muito bem-vindas para o exercício da medicina no Brasil. Aliás, isso é o que ocorre em países sérios, que entendem o perigo que um PL, como o discutido em Rondônia, representa para todos.

No entanto, ainda há esperança, mesmo que tênue. Como há uma nova votação pela frente, os deputados e deputadas estaduais de Rondônia têm condições de corrigir sua decisão e barrar o avanço desse projeto. Caso a ficha não caia, dependeremos do bom senso do Governo Estadual, de quem se espera nada menos do que o veto à íntegra da proposta. Se isso não ocorrer, a Justiça será acionada!

 

José Hiran da Silva Gallo
Diretor do Conselho Federal de Medicina (CFM)
Doutor e pós-doutor em Bioética

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