José Hiran da Silva Gallo
Diretor-tesoureiro do Conselho Federal de Medicina
Pós-doutor e doutor em bioética
A Resolução nº 2.232/2019, publicada recentemente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), estabeleceu um novo marco na relação entre médicos e pacientes. Ela afirma que pessoas em tratamento, desde que maiores de idade, capazes, lúcidas, orientadas e conscientes, têm o direito de expressar seu desejo de recusa de método terapêutico em tratamentos eletivos.
Na prática, esse pressuposto se materializa em situações como a possibilidade de o paciente optar por não se submeter a métodos terapêuticos sugeridos pelo médico assistente, alegando conflitos com sua interpretação do mundo. Nesse sentido, a Resolução nº 2.232 empodera a vontade daquela que aspira por cuidados no processo de tratamento.
A nova norma do CFM confirma que a imagem do médico paternalista, único responsável pelo caminho a ser percorrido em busca da cura, aos poucos vem dando lugar a uma outra: a do profissional que conduz suas ações pautando-se pelo diálogo e pelo esclarecimento constante de suas escolhas, as quais podem ser questionadas por aqueles que são atendidos. Foi-se o tempo do médico de vontade indiscutível e inquestionável.
Contudo, considerando-se as diferentes autonomias no exercício da medicina, há que se considerar que, ao mesmo tempo que o paciente ganha espaço e voz nos consultórios, também deve ser respeitada a opinião do profissional envolvido no processo.
Ora, se o doente pode se recusar a realizar um procedimento que, no entendimento do médico, é fundamental, a recíproca também se estabelece. Ou seja, o médico tem o direito de expressar sua objeção de consciência, em situações eletivas.
Se não existe a ditadura do médico, impossibilitado de impor suas decisões, também não pode ocorrer o autoritarismo do paciente, que obrigaria o médico a cumprir suas vontades. É o que dispõe o Código de Ética Médica, no seu capitulo I, item VII.
Nesse trecho, a norma afirma que “o médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente”.
Com base nessa regra, o médico pode invocar sua objeção de consciência em situações que contrariem suas escolhas éticas e morais. Por exemplo, na realização do aborto legal; na recusa de transfusão de sangue por testemunhas de Jeová; na adoção de diretivas antecipadas de vontade; na revelação e uso de dados genéticos; e mesmo em procedimentos visando a transgenitalização.
Porém, deve ser ressaltado, essa objeção não pode acontecer em atendimentos de urgência e emergência, como os que ocorrem em prontos socorros. Da mesma forma, o médico não pode simplesmente informar sua decisão: precisa acolher, orientar e indicar ao paciente outro profissional capacitado para seguir com o atendimento solicitado.
Se o fim da relação do médico com o paciente ocorrer por conta de objeção de consciência, sugere-se que esse fato seja comunicado ao Diretor Técnico do Hospital ou da Clínica para se garantir a continuidade da assistência. Em caso de consultório particular, orienta-se ao médico registrar a decisão em prontuário, dando ciência à pessoa que buscou tratamento, por escrito, podendo, a seu critério, realizar comunicação ao Conselho Regional de Medicina (CRM).
Neste cenário, no qual transitam dilemas de ordem moral, religiosa, ética, o respeito pelas vontades e autonomias precisa ser praticado. Assim, considerando-se o paciente como o indivíduo fragilizado pela doença, cabe ao médico agir com a expressão de sua solidariedade pelo outro, o que implicaria na adoção de alguns passos.
Comunicar previamente sua objeção de consciência no caso específico de modo claro e objetivo, respeitando o paciente em suas escolhas e sem o uso de juízos de valor, e indicar profissional isento de impeditivos para acolher o quadro que aguarda tratamento são medidas que expressam a solidariedade inerente à medicina.
Por sua vez, espera-se que o paciente também entenda as motivações apresentadas pelo médico, decorrentes de suas escolhas e das diferentes percepções que causam num mundo onde as autonomias devem ser compreendidas e respeitadas.