Não é de agora que todo mundo sabe que as áreas afastadas dos grandes centros urbanos brasileiros são carentes de médicos. Houve, portanto, tempo mais que suficiente para que se analisasse a questão, com acuidade, antes de se propor algo para solucioná-la como deveria ser.

De repente, sai-se o governo como uma medida fantasiada de salvadora, com adereços populistas, bem ao jeito de certas ilhas caribenhas, afagada pela ideologia ultrapassada que ainda contamina as ações do partido que manda no país.

Ao longo dos últimos dez anos e sete meses, o governo acampado no Palácio do Planalto poderia ter convencido muitos médicos a atuarem nessas paragens longínquas: bastaria uma proposta de trabalho convincente sob todos os aspectos que envolvem a atividade médica. Diga-se logo, com isso, que somente salários compensadores não bastariam. Um médico ético jamais se submeteria a dar uma assistência enganadora a seus pacientes. Uma medicina de verdade, nos dias atuais, requer mais que o olho clínico: precisa, pelo menos, de uma estrutura mínima que envolva um laboratório de análises clínicas, exames radiológicos e ultrassonográficos, e de condições seguras para tratar, ainda que no primeiro momento, pacientes clínicos e cirúrgicos.

            O governo insiste em enfatizar somente a necessidade da melhorar a distribuição de médicos nas diversas localidades brasileiras. Faz questão de omitir que tão somente médicos pouco podem fazer se não dispuserem de meios adequados – condições que faltam na maioria desses lugares.

Como se não bastasse a atitude equivocada de trazer médicos alienígenas, ainda impôs um “serviço civil obrigatório” para os formandos em medicina, impondo-lhes, compulsoriamente, a prestação de dois anos de atendimento ao SUS antes de iniciarem residência médica objetivando especialização. Essa, sem dúvida, uma medida antidemocrática, copiada de ditadores cubanos, que não permitem que seus médicos escolham suas especialidades naquele país, e ainda os obrigam a atuar como médicos da família – generalistas que praticam cuidados básicos à saúde. Somente lhes é permitido fazer especialidades que Cuba necessita.

É preciso que sejam destacadas as repercussões de mais dois anos no curso médico. Em primeiro lugar, algumas universidades, principalmente as públicas, ainda não têm estrutura para arcar com esse acréscimo. Falta, mormente, pessoal docente para dar suporte aos estudantes nesse período. Se o aparelho formador de médicos já é deficiente na atual conjuntura brasileira, mais será se não houver esse suporte adequando ao longo período acrescidos.

Outra repercussão negativa desse “serviço civil obrigatório” para médicos é a demora na formação de especialistas. Durante o tempo em que prestarão serviços ao SUS não poderão iniciar a residência médica na especialidade que desejarem. Um médico, por exemplo, que escolher a urologia, levará 13 anos para se tornar especialista titulado: oito para concluir o curso médico a ponto de receber o registro definitivo no seu conselho de ética, dois anos de residência em cirurgia geral, e mais três em urologia – isso acontecerá em muitas especialidades cirúrgicas.

O Brasil, como se sabe, ainda é deficiente em várias especialidades médicas. Com essa mudança que o governo impõe, a formação de novos especialistas demandará mais tempo, o que prolongará essa deficiência. E ainda: as pessoas, mais esclarecidas hoje que no passado, não se satisfazem em ser atendidas somente por médicos generalistas; preferem especialistas, na maioria das vezes.

No que tange a vinda de médicos estrangeiros, todas as entidades médicas já se pronunciaram a respeito. A questão não é o fato de serem estrangeiros, mas como vão atuar sem que sejam submetidos ao Revalida, exame que avalia a habilitação de médicos brasileiros e estrangeiros que se formam em outros países. Essa medida protetiva para a população, visando um competente atendimento médico, foi criada pelo próprio governo que, agora, abre mão de sua prática de modo tendencioso.

Algo que o governo brasileiro sabe e que finge que não sabe é que médicos não são a solução para melhorar os índices de saúde. Porque saúde é qualidade de vida. E isso envolve muito mais que assistência médica, que geralmente começa quando a doença já está instalada, mas oportunidades de vida digna para as pessoas, com atendimento de suas demandas físicas e psicológicas .

O remédio para tratar a doença que campeia em nosso amado Brasil é a extirpação radical de suas funções de todos aqueles desqualificados para exercê-las. Somente sem esse tipo de gente no comando, o país terá chances de dar à sua população as condições de vida adequadas para que tenham mais saúde; e um atendimento apropriado para aqueles que ficarem doentes. Fora desse paradigma, não nos será possível ser um povo saudável.

 

Viriato Moura

Médico especialista em ortopedia, traumatologia, medicina do esporte e medicina do trabalho, Diretor-presidente do Complexo Hospitalar Central, Presidente da Academia de Medicina de Rondônia, Membro da Academia de Letras de Rondônia, jornalista DRT-RO 1067 e Presidente da Regional de Rondônia da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores. Apresenta aos domingos, sempre ao meio-dia, o programa Viva Porto Velho, na RedeTV Rondônia, e é colaborador de diversos sites a nível local e nacional. Contato através do e-mail:    viriatomoura@globo.com

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