José Hiran da Silva Gallo
Diretor-tesoureiro do Conselho Federal de Medicina
Pós-doutor e doutor e em bioética
Nesta semana, desembarcou no gabinete do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ofício do Conselho Federal de Medicina (CFM) com pedido de explicações sobre suposto projeto do Governo que coloca em risco a segurança e a qualidade do atendimento oferecido à população pela rede pública.
O assunto, ainda tratado de forma oficiosa, foi tema de reportagem da Folha de SP, que descreveu uma série de mudanças que ampliariam o escopo da atuação de enfermeiros nos postos de saúde. Trata-se de tema de extrema complexidade, envolvendo questões técnicas, éticas e legais, que colocou o CFM e outras entidades médicas nacionais em alerta.
O CFM pediu que o Ministério da Saúde apresente suas respostas sobre o que foi publicado, esclarecendo as afirmações que lhe foram atribuídas. As entidades médicas, que desconhecem qualquer iniciativa desse tipo, estão atentas e pretendem desmontar com argumentos sólidos qualquer movimento nesse sentido. Se o diálogo não surtir efeito, outras medidas mais duras podem ser tomadas.
Essa situação se enquadra num movimento crescente surgido nos últimos anos. Sabe-se que outras categorias profissionais tentam, das mais diferentes maneiras, usurpar prerrogativas legais atribuídas aos médicos pela Lei nº 12.842/2013 (Ato Médico). Isso tem ocorrido quando indivíduos sem formação adequada se lançam na oferta de atendimentos estéticos, no acompanhamento de terapias hormonais ou mesmo na realização de alguns tipos de procedimentos cirúrgicos, entre outros.
Infelizmente, em vários casos, pacientes que aceitaram se submeter a esses tipos de acompanhamento, com pessoas sem a devida habilitação, alegam que os resultados deixaram a desejar. Quem foi atendido ficou, no mínimo, insatisfeito. Muitos relatam sequelas que chegaram em lugar do sonhado rosto perfeito.
Em casos extremos, alguns pacientes pagaram o risco ao qual se expuseram com o surgimento de doenças ou até com a vida, como noticiado por diferentes veículos de comunicação, em rede nacional. São dramas cotidianos, que devem servir de alerta aos menos prevenidos.
Na Justiça, o CFM tem tentado barrar esses abusos. Inúmeras representações feitas ao Ministério Público e ao Poder Judiciário prosperaram com liminares ou sentenças em tribunais superiores, suspendendo atividades irregulares de profissionais de determinadas categorias que cometiam esses atos.
Vale destacar que esses recursos têm dois focos: a defesa do respeito à legislação, algo fundamental num país civilizado, e a valorização da qualidade da assistência. Nesse processo, a Lei do Ato Médico permanece como referência ao estabelecer os limites de atuação a serem respeitados.
De partida, a Lei nº 12.842/2013 já define que o diagnóstico e a prescrição de tratamentos para doenças são atividades que só podem ser praticadas por médicos no Brasil. Além disso, especifica ainda que perícia e auditoria médica, ensino de disciplinas especificamente médicas e coordenação dos cursos de graduação em medicina, tanto dos programas de residência quanto dos cursos de pós-graduação, são atividades exclusivamente médicas.
Esse detalhamento inclui outros 11 atos exclusivos dos médicos, como a indicação e execução de cirurgias e a prescrição de cuidados médicos pré e pós-operatórios. Integram ainda esse rol procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos; e a realização de acessos vasculares profundos, biópsias e endoscopias.
Se o Brasil quer avançar rumo ao desenvolvimento, o respeito ao que diz a legislação deve ser uma regra para os cidadãos comuns, os profissionais em suas atividades e para as autoridades. Afinal, ninguém, absolutamente ninguém, está acima do bem e do mal e a lei é para todos.