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Não há dúvidas: a verdade é absoluta e imutável. Contudo, a percepção dos fatos, a forma como os descrevemos e as nossas expectativas com relação a eles mudam de pessoa para pessoa. Isso faz com que cada um manifeste seu entendimento do mundo a partir de um determinado ponto de vista que, quase sempre, privilegia apenas um ângulo em detrimento de outros.

A pandemia de covid-19 é a verdade que se impõe ao País, neste momento. Os tristes indicadores epidemiológicos, que revelam uma escalada assustadora de vítimas e óbitos, se impõem no noticiário e nos debates que vão das residências mais humildes aos salões do Congresso Nacional.

Da mesma forma, o impacto negativo causado pelo novo coronavírus na vida social e econômica tem sido sentido de Norte a Sul. Não se pode negligenciar que as restrições impostas em algumas áreas têm tido efeito devastador sobre emprego e renda. Para muitos, a doença virou sinônimo de prejuízo, falência e miséria.

Diante de um mesmo fenômeno, há duas visões que se digladiam em busca de protagonismo. De um lado, há o grupo que se apega aos relatórios das autoridades sanitárias e prenuncia o avanço do caos diante da impossibilidade do sistema de saúde em atender aos contaminados.

Em contraposição, existem aqueles que clamam contra as medidas que reforçam o distanciamento social à custa do fechamento total do comércio e da indústria e de limites no ir e vir. Na sua visão, à medida que se prolongam, essas práticas adotadas por alguns governos levarão muitos à morte, não em decorrência do coronavírus, mas de fome e inanição.

Afinal, em qual dos dois lados mora a razão neste debate? Considerando os respectivos ângulos, diria que ambos estão corretos. Mais ainda: os dois apresentam argumentos pertinentes e oportunos. Porém, lamento informar que nem um e nem outro pode ser declarado vencedor, pois nenhum consegue expressar a completa dimensão do que é a pandemia, a realidade que deve ser combatida.

Se Rondônia quer superar essa crise, sua população, seus gestores e suas lideranças devem entender que, mais do que defender seus pontos de vista, ou interesses, é preciso considerar a amplitude dos fatos. Impossível ignorar que a pandemia é, simultaneamente, uma crise sanitária que atinge a saúde, tira vidas, destrói empresas e tem lançado milhões na miséria. Por isso mesmo, qualquer solução tem que contemplar esses e vários outros aspectos.

Se os gestores devem providenciar leitos, vacinas, médicos e apoio às medidas preventivas, também não podem se esquecer de que a saúde econômica das empresas e trabalhadores depende de subsídios, incentivos e um plano de socorro que seja exequível e transparente, com foco, sobretudo, nos micro e pequenos empresários e na economia informal.

Por sua vez, lideranças de um grupo e do outro devem se colocar nos “sapatos alheios” antes de arroubos incompatíveis com uma democracia. A empatia, o diálogo e o consenso devem prosperar em nossa sociedade, respeitando, sobretudo, o que as leis e regras determinam. Nesse tempo pandêmico, tudo o que não precisamos é de desordem e desobediência civil, como estimulam ânimos exaltados.

Machado de Assis, nosso ilustre escritor, ficaria surpreso diante da atualidade descrita em “Quincas Borba”, um de seus romances mais conhecidos. No livro, o filósofo que d[a título à obra, criador do chamado humanitismo, resume sua corrente de pensamento numa frase: “Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”. Ou seja, a conquista de uma posição deve implicar na ruína de outros.

Na luta contra a pandemia, não é esse o espírito que deve nos guiar. Ao contrário, o momento pede, sobretudo, vacina, despojamento e abertura para encontrar as soluções que Rondônia precisa para vencer a verdade da covid-19.

 

José Hiran da Silva Gallo
Diretor-Tesoureiro do CFM
Doutor e pós-doutor em Bioética

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