Prof. Dr. Heinz Roland Jakobi (*)

Antropozoonose reemergente e universal causada por bactérias do gênero Brucella sp., subdiagnosticada e subestimada em nosso meio, a brucelose é a mais comum e importante zoonose, com mais de meio milhão de casos novos em humanos reconhecidos anualmente, principalmente em países em desenvolvimento [1]. A maioria dos casos ocorre em os países mediterrânicos da Europa e da África, Oriente Médio, Índia, Ásia Central México e Central e América do Sul [2]. A Região Amazônica ainda não possuiu dados epidemiológicos sobre a brucelose humana que é desconhecida para muitos. Rondônia possui uma economia baseada na pecuária de corte e de leite, contando com um rebanho de 12 milhões de cabeças, distribuídas em 82.700 propriedades, e caracteriza-se por alta prevalência e homogeneidade na frequência de focos e de animais contaminados por brucelose bovina.[3,4]

SINONÍMIA. Possui muitos sinônimos derivados das regiões geográficas em que a doença ocorre, por exemplo, a febre do Mediterrâneo, febre de Malta (Melitococia), febre de Gibraltar, febre de Chipre, Febre de Constantinopla, Febre de Chipre, Febre Danúbio, e a partir do caráter remitente da febre, febre ondulante, ou a partir de sua semelhança com a malária e febre tifoide, por exemplo, a febre tifomalarial, tifoide intermitente, mas também conhecida como Doença das Mil Faces.[5]

ETIOLOGIA. A brucelose é causada por infecção com espécies de bactérias Brucellae sp., que são bactérias intracelulares facultativas, cocobacilos gram-negativo que não formam cápsulas, esporos ou flagelos, localizados predominantemente em órgãos com numerosos macrófagos como pulmão baço fígado medula óssea e membrana sinovial. Atualmente, existem nove espécies reconhecidas de Brucella, quatro são patogênicas para os seres humanos: Brucella melitensis, biotipos 1 e 3; Brucella suis, biotipos 1 e 5; Brucella abortus, biotipos 1, 6 e 9; Brucella canis.[6]

MODOS DE TRANSMISSÃO. Ocorre principalmente por contato com material contaminado (sangue, urina, secreções, fetos abortados, restos placentários) com a conjuntiva ou pele lesionada; ingestão de produtos contaminados (sobretudo lácteos não pasteurizados (inclusive queijos), carne, medula óssea e vísceras malcozidas); inalação de bactérias – aerossolização (limpeza de estábulos, movimentação do gado, procedimentos em abatedouros ou laboratórios de análises clínicas); inoculação – acidental durante a vacinação dos animais; transmissão entre pessoas: sexual, transfusão de sangue e transplante de medula óssea [5,8-11]; transmissão vertical e por aleitamento materno são relatadas; é doença profissional relacionada ao trabalho.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS. È infecção sistêmica que pode manifestar-se com uma infinidade de sintomas inespecíficos (por exemplo, febre, suores, mal-estar, anorexia, dor de cabeça, mialgia, dor nas costas), bem como importante incapacidade para o trabalho. O aparecimento pode ser insidioso ou agudo, em geral, começando dentro de 2 a 4 semanas após a inoculação. Um padrão febre “ondulante” é evidente em pacientes que são tratados durante longos períodos de tempo [12]. Doença em geral crônica, reconhecida pelas suas complicações, com envolvimento osteoarticular é comum: sacroileíte, espondilite, artrite periférica e osteomielite; seguido pelo envolvimento de sistema reprodutivo: orquiepididimite, glomerulonefrite e abscesso renal. Manifestações neurológicas não são tão comuns. Quadros de depressão e confusão mental são relatados. Endocardite bacteriana continua a ser a principal causa de mortalidade no decurso da brucelose [13]. A brucelose na infância geralmente apresenta um curso mais benigno em termos de taxa e severidade de complicações e a resposta ao tratamento [14,15].[5,9,10]

DIAGNÓSTICO. Em nosso meio, nos casos de febre e mialgia com antecedentes de contato com material contaminado, pensar no diagnóstico de Brucelose, além das enfermidades endêmicas regionais, como malária e dengue, pois estas se confundem, transformando aquela enfermidade crônica e progressiva afetando diversos sistemas [10,16]. Solicitar o exame laboratorial de triagem ROSA BENGALA nos casos suspeitos. Nos casos em que o exame Rosa Bengala for positivo, solicitar o exame laboratorial de confirmação da enfermidade – ELISA (IGM, IGG) para Brucelose.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL. A brucelose é uma doença com amplo espectro clínico, podendo mimetizar uma grande variedade de doenças, infecciosas ou não. Destaca-se em nosso meio (malária [16], dengue, tuberculose e febre tifoide) entre outras: endocardite infecciosa, leptospirose, criptococose, histoplasmose, mononucleose, doenças do colágeno/vasculites, síndrome da fadiga crônica, neoplasias e transtornos neuropsiquiátricos (principalmente depressão).

TRATAMENTO. Medidas Gerais: repouso no leito; alimentação de fácil ingestão, hipercalórica e rica em proteínas; correção do desequilíbrio hidroeletrolítico; tratamento sintomatológico [antitérmicos e antiálgicos]; apoio psicológico. Pesquisar brucelose no domicílio do paciente (pessoas que habitam o mesmo teto). Antibioticoterapia recomendada pela literatura mundial [5,7,9,10] e peloMinistério da Saúde[17]:Doxiciclina (200mg/dia) + Rifampicina (600-900mg/dia) por 6 semanas. Recidivas – repetir o tratamento, pois o órgão que não permite a ação da droga. Gestantes, nutrizes e crianças menores que 7 anos não usar a Doxiciclina, usar Sulfametoxazol/Trimetoprim (800/160mg/dia) + Gentamicina (120mg/dia). Acompanhamento Ambulatorial: 1ª semana de Tratamento (Avaliação Clínica e verificar adesão ao tratamento). 3ª semana de Tratamento (Avaliação Clínica e verificar adesão ao tratamento). Fim do Tratamento (Avaliação Clínica e sorológica com ELISA). Pós-tratamento: 1º, 2º mês (Avaliação Clínica). 3º, 6º, 12º, 18º, 24º mês (Avaliação Clínica e sorológica com ELISA). Alta em dois anos.

PREVENÇÃO.A prevenção da brucelose no homem depende, sobretudo, do controle e erradicação da doença nos animais, a vacinação e controle sanitário dos rebanhos (eliminação dos animais doentes) são medidas de controle da brucelose animal.[5,6,7,13]

VIGILÂNCIA EM SAÚDE. MEDICINA DO TRABALHO. Incluir no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional [PCMSO] os exames Rosa Bengala e ELISAnos setores que possuem atividades de risco biológico específico para a Brucelose, como: frigoríficos, abatedouros, curtumes, laticínios, trabalhadores rurais, criadores, vaqueiros, médicos veterinários, vacinadores, laboratórios de analises clínicas, entre outras. DOENÇA DO TRABALHO. Classificada como doenças infecciosas e parasitárias, doença do trabalho, Schilling Tipo I pelo Decreto nº 6.957, 09/09/2009. É obrigatória a emissão pelo médico assistente a Comunicação de Acidente de Trabalho [CAT] ao INSS em trabalhadores de abatedouros, frigoríficos, manipulação de produtos de carne; ordenha e fabricação de laticínios, veterinários, vacinadores, trabalhadores rurais e atividades assemelhadas. NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA. É agravo de notificação compulsória estadual segundo a Resolução 301/CIB/RO, 28/11/2013. Todos os exames laboratoriais positivos ROSA BENGALA (casos suspeitos) ou ELISA (confirmados) deverão ser obrigatoriamente notificados pelo profissional de saúde à Vigilância Epidemiológica Municipal, ao CEREST e a Comissão Estadual de Controle da Brucelose (AGEVISA). Estes casos terão acompanhamento médico obrigatório na Rede Pública do SUS/SESAU.

CONCLUSÃO. Os profissionais de saúde devem estar alerta para suspeitar, investigar e notificar a brucelose humana, haja vista que nossa região possui condições e pré-requisitos para eclodir a enfermidade de forma endêmica.

REFERÊNCIAS

1. Pappas G, Papadimitriou P, Akritidis N, Christov L, Tsianos EV: The new global map of human brucellosis. Lancet Infect Dis 2006, 6:91-99.

2. Pourbagher A, Pourbagher MA, Savas L, Turunc T, Demiroglu YZ, Erol I, Yalcintas D: Epidemiologic, clinical, and imaging findings in brucellosis patients with osteoarticular involvement. Am J Roentgenol 2006, 187:873-880.

3. Jakobi HR. Incapacidade para o trabalho no Brasil: análise de benefícios auxílio-doença segundo um recorte de atividade econômica, diagnóstico e localização geográfica. [tese de doutorado]. [Brasília (DF)]: Universidade de Brasília ; 2013, 133p.

4. Villar KS; Amaku M; Dias RA; Ferreira Neto JS; Benitez F; Gonçalves VSP; Figueiredo VCF; Lôbo JR; Ferreira F. Situação epidemiológica da brucelose bovina no Estado de Rondônia. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec. vol.61 supl.1 Belo Horizonte nov. 2009

5. ManturBG, Amarnath SK, ShindeRS. Review of clinical and laboratory features of human Brucellosis. Indian J Med Microbiol. 2007 25(3) : 188-202

6. Gwida M, Al Dahouk S, Melzer F, Rösler U, Neubauer H, Tomaso H. Brucellosis – Regionally Emerging Zoonotic Disease? Croat Med J. 2010; 51: 289-95

7. Corbel M: Brucellosis: an overview. Emerg Infect Dis 1997, 3:213-221.

8. Hoover DL, Friedlander AM: Brucellosis. Textbook of Military Medicine Medical Aspects of Chemical and Biological Warfare; 2005, 513-521.

9. Lawinsky MLJ, Ohara PM, Elkhoury MR, Faria NC, Cavalcante KRLJ.Estado da arte da brucelose em humanos. Rev Pan-Amaz Saude 2010; 1(4):75-84

10. Dean AS., Crump L, Greter H, Hattendorf J, Schelling Esther, Zinsstag J. Clinical Manifestations of Human Brucellosis: A Systematic Review and Meta-Analysis. PLOS Neglected Tropical Diseases Dec 2012, 6(12):1929

11. Wood E: Brucellosis as a hazart of blood transfusion. Br Med J 1995, 1:27-28.

12. Young EJ, Mandell GL, Douglas RC, Bennett JE, Dolin R: Brucella species. Principles and Practice of infectious Diseases Philadelphia: Churchill Livingstone; 2001, 2386-2393.

13. Pappas G, Akritidis N, Bosilkovski M, Tsianos E: Brucellosis. N Engl J Med 2005, 352:2325-2336.

14. Giannakopoulos I, Nikolakopoulou NM, Eliopoulou M, Ellina A, Kolonitsiou F: Papanastasiou. Presentation of childhood brucellosis in western Greece. J Infect Dis 2006, 59:160-163.

15. Shaalan MA, Memish ZA, Mahmoud SA: Brucellosis in children: clinical observations in 115 cases. Int J Infect Dis 2002, 6:182-186.

16. Amexo M, Tolhurst R, Barnish G, Bates I (2004) Malaria misdiagnosis: effects on the poor and vulnerable. The Lancet 364(9448): 1896–1898.

17. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitária. Doenças Infecciosas e Parasitárias : guia de bolso. 8 ed. Ver. – Brasília. Ministério da Saúde. 2010.

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