José Hiran da Silva Gallo
Diretor-tesoureiro do Conselho Federal de Medicina
Pós-doutor e doutor em bioética
Para que o Estado possa assegurar o acesso da população à assistência em saúde, além de vontade política, são necessários três ingredientes básicos: a força de trabalho, na qual os médicos ocupam espaço central; os recursos financeiros, para garantir investimentos na área e o custeio de postos de atendimento e de hospitais, entre outros serviços; e, sobretudo, gestão eficiente, moderna, transparente e competente.
Neste cenário, somente o interesse dos governantes não faz milagres. Para que os planos anunciados, muitas vezes durante às campanhas eleitorais, vejam a luz do dia é preciso que os cofres públicos assegurem a verba necessária para a saúde nos seus orçamentos. Porém, por incrível que pareça, ter o bolso cheio também não significa que a população contará com o atendimento desejado.
Assim, repousa sobre os ombros de quem está no comando do Poder Executivo (federal, estadual e municipal) o peso das escolhas. Ou seja, se o gestor de um posto de saúde ou de um pronto-socorro não tomar as decisões corretas, pouco, ou quase nada, acontecerá. Por mais que se queira, as filas continuarão aumentando, o tempo de espera para um procedimento permanecerá longo e os corredores seguirão lotados.
No Brasil, de modo geral, o volume de recursos aplicados na saúde é baixo. Em 2018, o Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou levantamento que aponta que União, Estados e Municípios, juntos, gastam com ações e serviços de saúde para cada habitante do País um valor equivalente a R$ 3,48 ao dia. Esse é o per capita que o governo utiliza – em seus três níveis de gestão – para atender às necessidades de cerca de 210 milhões de pessoas. Por ano, isso representava R$ 1.271,65.
Naquele ano, o relatório de Estatísticas Sanitárias da Organização Mundial da Saúde (OMS) já indicava que esse montante era insuficiente para atender às demandas da população, ficando abaixo do que é praticado em outras Nações com modelos assistenciais semelhantes ao Sistema Único de Saúde (SUS). Por exemplo, no Reino Unido, comumente citado pelos gestores brasileiros como exemplo a ser seguido, o investimento público per capita em saúde foi dez vezes o valor aplicado por aqui: US$ 3.500 ao ano.
O mesmo comportamento se nota em outros países, como a França, onde o per capita em saúde ficava em US$ 3.178; no Canadá, em US$ 3.315; na Espanha, em US$ 1.672; e na Argentina, em US$ 713. Desse modo, o Brasil se consolida entre as nações com modelos de assistência em saúde com acesso universal como a que tem a menor participação do Estado nessa área.
No fim das contas, apenas 42,8% dessa despesa total saem do orçamento público. O restante da fatura fica na responsabilidade das famílias, que pagam diretamente serviços de saúde particulares, o que inclui as mensalidades dos planos, e a compra direta de medicamentos. Porém, apesar do cinto arrochado, dados públicos revelam que nem mesmo o que é autorizado pelos governos no orçamento da área é efetivamente gasto.
Os números revelavam que cerca de R$ 174 bilhões deixaram de ser aplicados pelo Ministério da Saúde entre os anos de 2003 e 2017. Isso representou 11% do total autorizado para o Ministério da Saúde no Orçamento Geral da União (OGU) durante o período, cerca R$ 1,6 trilhão. Quase metade dessa verba não utilizada estava destinada à realização de obras e à compra de equipamentos para o SUS. Na prática, o pouco que tinha, foi devolvido ao Tesouro Nacional.
Em 2020, uma mudança no sistema de financiamento da atenção básica do SUS, composta, principalmente, por postos de saúde e ambulatórios, colocará o gestor local contra a parede, pelo bem ou pelo mal. Nos anos anteriores, o Governo sempre argumentou que a devolução dos recursos resultava de falhas na administração nos municípios, pois não solicitavam os repasses.
Agora, para ter direito a receber as parcelas federais para engrossar os orçamentos da saúde nas prefeituras, o gestor deverá cumprir indicadores específicos que avaliam cobertura e qualidade dos serviços. Em outras palavras, deverá tomar o comando da área nas mãos e oferecer soluções efetivas que ajudem a melhorar o bem-estar da população e evitar as mortes.
Com base no programa Previne Brasil, o Ministério da Saúde garante que, por essa lógica, receberão mais aquelas Prefeituras que atuarem pela melhoria da saúde dos brasileiros, oferecendo, por exemplo, atendimento para pessoas com diabetes e hipertensão, por meio de consultas médicas, exames simples e programas de imunização.
Apesar das críticas de que essa iniciativa pode fragilizar o atendimento em algumas localidades, entende-se que é medida saudável, pois resgata a essência da responsabilidade na administração pública. Isso exigirá dos gestores dos municípios, inclusive os de Rondônia, o compromisso com a efetividade e qualidade de ações e serviços. Quem não fizer a lição de casa, terá que dar suas explicações.
Espera-se que, em Rondônia, os resultados sejam os esperados e que tragam mais cidadania à população. Desse modo, a expectativa é que a incidência de doenças caia, menos crianças morram e mais rápido os pacientes realizem seus exames e consultas. No entanto, fica um alerta: essa mudança que afeta, sobretudo, as Prefeituras não isenta o Governo Estadual de fazer o que tem por obrigação: qualificar os hospitais, prontos-socorros e o acesso aos atendimentos de média e alta complexidade.
Como cidadão, médico e membro dos Conselhos Federal e Regional de Medicina, entendo que cada um de nós deve estar atento ao que for realizado. A cobrança de transparência e de resultados é nosso dever, não apenas para garantir a oferta dos serviços nos níveis esperados, mas também para impedir que o dinheiro público continue a escorrer pelo ralo da corrupção. Eu pretendo acompanhar de perto o comportamento da gestão em saúde. E você, vem comigo?