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 Viriato Moura *

Muito já se falou e escreveu sobre nossa Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM). Diante do centenário de sua inauguração, no dia 1º de agosto de 2012, mais ainda se disse da ferrovia cuja construção foi a maior epopeia do século 20. Todavia, ainda não se fez justiça, na correta dimensão, no que tange a decisiva presença médica nas frentes de trabalho da ferrovia para que o projeto fosse concretizado.

Além dos médicos americanos que atuaram no Hospital da Candelária, merece destaque a atuação dos sanitarista brasileiros Oswaldo Cruz e Belizário Penna que, em 1910, a convite de Persival Farquhar, proprietário da empresa Madeira-Mamoré Railway Company, construtora da estrada, fizeram o diagnóstico detalhado das condições insalubres da região e propuseram medidas preventivas para saneá-las. Nas conclusões de seu relatório, o eminente sanitarista de Manguinhos foi contundente ao afirmar que a procrastinação das medidas será um crime de lesa-humanidade.

Acrescente-se que não só a EFMM, mas a também lendária Missão Rondon, contemporânea da construção da ferrovia, certamente não teria sido possível se um grupo de médicos não tivesse acompanhado o então major Cândido Mariano da Silva Rondon em sua investida desbravadora.

Todas as tentativas para a execução da obra, entre 1872 e 1907, foram frustradas porque não foi dada, pelas empresas construtoras, atenção devida às condições insalubres da região, localizada no coração da selva amazônica, o então chamado de inferno verde.

A floresta tropical infestada de animais selvagens e peçonhentos, os índios arredios e ferozes, o alcoolismo disseminado entre os trabalhadores, os violentos confrontos pessoais, e outras dificuldades impostas pela natureza, por si só representaram um grande obstáculo. Entretanto, o mais severo deles fora imposto por doenças como a malária, a que mais matava; a febre amarela, o tifo e a cólera além de outras diarreias decorrentes da falta de higiene; viroses ainda desconhecidas ou pouco conhecidas, e infecções bacterianas diversas, entre outros males e a falta de condições técnicas e de terapias clínicas (o quinino era o medicamento mais eficaz disponível, uma vez que os antibióticos e as sulfas nem sequer haviam sido descobertos. Por isso, eram as doenças, mais que os outros fatores ambientais e interpessoais, que dizimavam os operários impiedosamente. Estima-se que mais de 10 mil deles (este número não tem a unanimidade dos historiadores) tenham morrido, o que deu origem à lenda de que cada dormente representa uma morte. Daí porque aestrada recebeu as estigmatizantes denominações de Ferrovia do Diabo, Ferrovia dos Mortos, Ferrovia Fantasma.

imagem01Enfermo caquético com bandagem no pé esquerdo parcialmente amputado, ao relento na floresta impiedosa

imagem2Cemitério da Candelária, localizado próximo ao hospital

Os relatórios abalizados de dois dos primeiros médicos que aqui chegaram para integrar a equipe construtora, os doutores H. P. Belt, em 1907, e, em seguida, Carl Lovelace, em 1908, que dirigiram o Hospital da Candelária, denunciaram as condições inóspitas do lugar. Belt escreveu em seu documento histórico que um trabalhador depois de noventa dias na região tornava-se imprestável. (…) É a região mais doentia do mundo — destacou.

Os sanitaristas brasileiros Oswaldo Cruz e Belizário Penna, deixaram claro que se não fossem tomadas as devidas providências preventivas por eles sugeridas, mais uma vez a ferrovia não seria concluída.

A partir do momento em essas medidas foram tomadas e que os pedidos dos médicos do hospital à empresa contrutora foram atendidos (medicamentos, equipamentos, pessoal etc.), o índice de morbidade e mortalidade diminuíram consideravelmente. Foram essas mudanças, decorrentes das competentes ações médicas com auxílio de enfermeiras — em especial as preventivas — que tornaram possível a continuidade da obra. Ante ao elevado índice de mortalidade de seus companheiros, muitos trabalhadores, principalmente durante as tentativas que antecederam a de Farquhar, tentavam fugir, mas geralmente acabaram morrendo por outros motivos durante essas investidas desesperadores

É importante reiterar, por ser justo, que a presença médica foi o fator divisor de águas na construção da Madeira-Mamoré. A prova incontestável disso é que somente quando uma equipe médica e um hospital passaram atuar na obra, a partir de 1907, que a empreitada atingiu seu objetivo.

* Médico, membro da Academia de Letras de Rondônia, jornalista e artista visual

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