José Hiran da Silva Gallo
Diretor-tesoureiro do Conselho Federal de Medicina
Doutor e Pós-Doutor em Bioética
Em Brasília (DF), o Governo se apressa em definir medidas para reduzir o impacto da saída dos cerca de 8,3 mil intercambistas do Programa Mais Médicos, após o anúncio do Governo de Cuba de que não participará mais do acordo internacional, firmado em 2013, pela então presidente Dilma Rousseff com a intermediação da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS).
O Ministério da Saúde prepara edital relâmpago com a oferta de vagas para profissionais brasileiros em igual número às vacâncias. No Congresso, está pronta para ser votada pelo Plenário da Câmara a Proposta de Emenda Constitucional 454/2009, defendida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que cria a carreira de Estado para o médico no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Alguns especialistas avaliam ainda a possibilidade de se estimular a implementação da Emenda Constitucional 77, já promulgada, que permite aos militares da área de saúde exercerem também cargo semelhante no serviço público civil, o que poderia render reforço médico extra na cobertura assistencial, em especial nas zonas de fronteira e no interior da Amazônia.
Outra medida que poderia ser implementada seria a concessão de vantagens aos jovens médicos com dívidas junto ao programa de Financiamento Estudantil (Fies). Pelo que se aventa, ao participar do Mais Médicos os profissionais com esse perfil ganhariam direito a desconto no débito acumulado.
Como se vê, o País não parou por conta da decisão cubana que, apenas em um lance, desconstruiu a narrativa, construída entre 2013 e 2018, com nítido caráter ideológico. Ora, vejamos:
Ao não concordar com os novos termos propostos pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, Cuba deixa claro que os intercambistas que vieram para o Brasil são vistos por aquele Governo apenas como máquinas de fazer dólar, sem direitos individuais respeitados.
A possibilidade de que passassem a receber a íntegra de seu salário, como qualquer trabalhador merece, trouxe desconforto aos dirigentes da Ilha que assistiriam minguar a quase zero a entrada de recursos prevista pelo convênio firmado.
A decisão também derruba por terra o argumento da excelência desses intercambistas. Ora, se conhecem tanto medicina, se são tão preparados, porque não se submetem aos exames de revalidação de diplomas médicos obtidos no exterior?
Passar por esse tipo de crivo é condição incontornável para que um profissional estrangeiro possa trabalhar em países como Estados Unidos, Canadá ou Inglaterra. No Brasil, a quebra dessa exigência foi medida casuística que colocou em risco a saúde e a vida da população.
Finalmente, cai por chão os arroubos de solidariedade e ação humanitária que seriam o motivo único da vinda dos cubanos para o Mais Médicos. Bastou mudar a cor do partido no poder para que essa paixão fosse arquivada e o cuidado pela vida do outro fosse desconsiderado, a ponto do anúncio de saída do programa ignorar qualquer clausula de rescisão contratual, que, em geral, preveem um período de transição.
Pelo que ficou exposto na nota divulgada pelo Ministério da Saúde daquela Ilha, tudo se resumia a dois fatores: ideologia e dinheiro. Como no Brasil não poderão propagar a primeira e nem ganhar mais um centavo, a solução foi bater o pé, se dizer agredido e bater a porta, numa fúria digna de perdedores sem razão.
Diante de tantos absurdos, os médicos brasileiros garantem à população que continuam dispostos a cuidar de homens, mulheres e crianças que carecem de atenção. Há profissionais em quantidade suficiente para ocupar todos os espaços abertos.
No entanto, os médicos alertam que a interiorização da medicina vai além da alocação de profissionais. Um médico, sem apoio, pouco pode fazer e é um direito do cidadão ter acesso às condições para que seu atendimento ocorra dentro de critérios mínimos, permitindo-lhe receber diagnóstico e tratamento adequados.
Ao ministro da saúde, governadores e prefeitos, cabe a responsabilidade de fazerem sua parte e garantirem aos médicos e aos pacientes postos de saúde e hospitais equipados; farmácias com estoques suficientes de medicamentos e insumos; acesso a exames para diagnóstico; remuneração compatível aos médicos e suas equipes; e a oferta de leitos de internação para os casos mais graves, entre outros pontos.
Sem isso, a Constituição de 1988 não estará sendo respeitada. Por isso, é preciso colocar esse programa governamental no caminho certo. Afinal, o brasileiro não precisa apenas de Mais Médicos. O cidadão – em especial o mais carente e vulnerável – necessita urgentemente de Mais Saúde.