José Hiran da Silva Gallo 

 

Diretor Tesoureiro do Conselho Federal de Medicina 

 

Pós-Doutor em Bioética 

 

 

Por 6 votos a 4, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu os efeitos da Lei que autorizava o uso e a distribuição, no Brasil, da fosfoetalonamina, a chamada “pílula do câncer”. Na mesma sessão de julgamento, em maio de 2016, os ministros mantiveram suspensas as decisões judiciais que obrigavam o governo a fornecer a substância a pacientes que fizessem esse pedido.

Esse foi o ponto final de um processo que evoluiu por caminhos tortos e pode ser tomado como exemplo máximo dos prejuízos que podem ser causados pela inadequada aproximação do Legislativo com o mundo da ciência. Trata-se de questões técnicas que são indevidamente avaliadas sob um prisma político, que nem sempre observa as implicações de uma medida desse porte sobre a vida e a morte de pacientes.

A decisão do STF atendeu a um pedido da Associação Médica Brasileira (AMB) contra a vigência da lei, aprovada no Congresso Nacional e sancionada pela então presidente Dilma Rousseff. Para a comunidade médica permitir a vigência daquela regra seria a senha para o aumento de complicações de saúde e óbitos decorrentes do abandono de tratamentos em função de uma droga sem reconhecida eficácia e segurança.

Pouco mais de dois anos depois, o Brasil se vê às voltas com uma situação que caminha para desfecho semelhante. A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado aprovou por unanimidade Projeto de Lei nº 227/2017, que autoriza a prescrição da ozonioterapia em todo o País. Como não houve recurso para votação em Plenário, a matéria seguiu para a Câmara dos Deputados.

Ozoniterapia é um procedimento que consiste na aplicação de gases oxigênio e ozônio por diversas vias, como intravenosa ou intramuscular, com objetivo terapêutico. Apesar de praticada em diferentes países, ela ainda carece de garantias de sua eficácia e segurança, as quais não podem ser negligenciadas por profissionais e pacientes.

Ou seja, o PL que tramita no Congresso Nacional pode colocar o cidadão em situação de risco irremediável. Esperamos que os parlamentares escutem os argumentos do Conselho Federal de Medicina (CFM) e dos médicos sobre o tema e entendem a rota equivocada pela qual adentraram, mesmo com as melhores das intenções.

Se insistirem nesse caminho, restará recorrer ao STF para que, mais uma vez, se estabeleça a ordem. Antecipando-se aos fatos, o CFM já expressou, por meio de Resolução publicada no Diário Oficial da União, sua visão sobre o tema.

O documento proíbe aos médicos a prescrição desse tipo de tratamento dentro dos consultórios e hospitais. A exceção pode acontecer em caso de participação dos pacientes em estudos de caráter experimental, com base em protocolos clínicos e critérios definidos pelo Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa).

Isso implica em assegurar aos participantes das pesquisas suporte médico-hospitalar em caso de efeitos adversos, a garantia de sigilo e anonimato e a gratuidade do acesso ao procedimento.

Ao tomar essa decisão, o CFM deixa claro que o uso benéfico da ozonioterapia em tratamentos clínicos ainda está longe de ser uma unanimidade positiva. De acordo com a Autarquia, o volume de estudos e trabalhos científicos adequados sobre a prática ainda é incipiente e não oferece as certezas necessárias.

Mais de 26 mil trabalhos sobre esse tipo de tratamento foram analisados, mas nem todos tinham boa amostragem ou dados completos. Para o CFM, esse quadro exige mais pesquisa em busca de conhecimento sobre o tema.

Afinal, logo de início já causa espanto o número de problemas que a ozonioterapia diz curar e tratar. Não há na história da medicina registro de droga ou procedimento contra mais de 200 doenças, algumas delas graves como hepatites, hérnias, câncer e aids.

Em meio a esse debate, ressaltamos o equilíbrio como o tema tem sido tratado pelo Conselho de Medicina que não quer ver um novo episódio, similar ao da fosfoetanolamina, desaguar no Poder Judiciário que, há dois anos, sentenciou em sua decisão sobre o tema: “o Congresso Nacional, ao permitir a distribuição de remédio sem o controle prévio de viabilidade sanitária, não cumpriu com o dever constitucional de tutela da saúde da população”.

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