José Hiran da Silva Gallo 

Diretor-tesoureiro do Conselho Federal de Medicina 

Pós-doutor e doutor e em bioética 

Após anos de tentativas, há sinais de que as anunciadas mudanças nas regras da Previdência Social deixarão de ser um projeto acalentado por sucessivos governos e se tornarão realidade. Mas ainda teremos muitos debates pela frente. Por isso, é importante estar atento ao calendário dessa reforma, que promete lances acalorados.

Antes do pacote desembarcar formalmente no Congresso Nacional, arena de acirrados enfrentamentos sobre o tema, o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe apresentarão os detalhes da proposta fechada pelo Palácio do Planalto aos 27 governadores, dentre eles o rondoniense Marcos Rocha (PSL), numa reunião em 20 de fevereiro.

A Presidência tentará angariar o apoio dos Estados mostrando que essa Reforma será sinônimo de economia para os orçamentos públicos. A expectativa é de que a aprovação das medidas traga uma redução nos gastos na ordem de R$ 1,3 trilhão em dez anos. O quadro atual é de prejuízo, com um déficit recorde de R$ 290 bilhões, em 2018.

Porém, até agora, só há especulações sobre o que será proposto para atingir essa cifra mágica. Na semana passada, o jornal O Estado de S. Paulo alardeou uma suposta minuta desse projeto. Essa divulgação serviu para tranquilizar alguns setores e inflamar outros. Pode-se dizer que o vazamento ajudou o Governo a medir a temperatura, avaliando melhor as resistências e a reação da sociedade.

Por isso, não será surpresa se o anúncio oficial mostrar uma Reforma distante da que alimenta as rodas de discussões. Mas até lá, vamos nos ater a dois pontos que já podemos rotular de polêmicos. O primeiro seria igualar a idade mínima de homens e mulheres para a aposentadoria.

Trata-se de uma medida que tem tudo para ser extremamente impopular num País onde 51,5% dos habitantes são do sexo feminino. Na minha opinião, ela é injusta ao atribuir pesos iguais para contextos bem diferentes. Afinal, não se pode negar que a mulher sofre com diferentes tipos de pressão ao longo de sua vida, justificando-se, assim, conceder-lhe o direito de se aposentar antes do homem.

Além da diferença física, elas protagonizam inúmeros papeis simultaneamente. São trabalhadoras, cujos rendimentos contribuem cada vez mais para o sustento das famílias, e também mães, esposas e filhas que se envolvem efetivamente, todos os dias, em atividades práticas na vida doméstica que vão muito além do simples afeto.

Outro ponto ventilado pela imprensa que deve ser alvo de embates é a proposta de criação de um mecanismo de ajuste na idade mínima, conforme a elevação da expectativa de vida dos brasileiros. Esse gatilho de revisão seria disparado a cada quatro anos. Ou seja, quanto mais aumentar a expectativa média de vida do brasileiro, maior seria a idade mínima para a entrada no pedido de aposentadoria.

Em 2018, o IBGE informou que a expectativa de vida do brasileiro alcançou a maior média da história: 76 anos. Foi um salto de 22 anos em relação ao registrado na década de 1960, quando chegava a 54. Segundo os pesquisadores, a tendência é de crescimento desse índice, bem como o do percentual de adultos idosos na população em geral.

Até 2060, a população com idade superior a 60 anos mais que dobrará de tamanho e atingirá 32,1% do total de habitantes, no Brasil. Atualmente, esse grupo representa 13,44%. Na prática, isso significará que o País terá cada vez menos pessoas economicamente ativas e em condições de contribuir para a manutenção do sistema público de aposentadorias.

A lógica do raciocínio é evitar que a mudança na pirâmide populacional inviabilize a manutenção do sistema previdenciário na forma como o conhecemos. Entende-se o motivo, mas com certeza o aspecto emocional de saber que a realidade da aposentadoria pode ficar a cada quatro anos cada vez mais distante deve causar um impacto também negativo na sociedade.

Mas esses são apenas dois dos itens do pacote necessário, mas indigesto, que inclui ainda questões complexas como mudança aumentar o tempo mínimo de contribuição, fixar regras de transição, instituir um sistema de capitalização para a Previdência Social e definir critérios específicos para servidores, professores, policiais, militares e políticos.

Diante de agenda tão indigesta, caberá ao Governo apostar suas fichas na articulação política e numa comunicação clara, que esclareça e garanta o apoio da sociedade. Por sua vez, os trabalhadores devem estar atentos, pois no tabuleiro está em jogo o futuro da categoria. Nessas horas, cabe ter cautela, atenção e capacidade de reagir em defesa da justiça e da cidadania.

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