Impossível compreender a lógica do Governo: precisa dos médicos, mas os agride frontalmente. Cava fossos na relação com as entidades de classe e, usando de uma estratégia torta de marketing, joga a população contra profissionais que dedicam suas vidas ao cuidado, ao diagnóstico e à prescrição em busca de oferecer saúde e bem estar aos seus pacientes.

As escolhas têm um fundo eleitoral: era preciso um bode expiatório para transferir a culpa pela irresponsabilidade acumulada ao longo dos anos no trato com a saúde. Os médicos se encaixavam à perfeição neste infeliz papel por, historicamente, simbolizarem a assistência sonhada por todos os brasileiros.

 

Nesta lógica, o Governo simplificou problema e solução. De um lado, definiu que a falta de saúde decorria da ausência de profissionais; na sequência, concluiu que a resposta estava no preenchimento dessas vagas. Contudo, o caminho entre esses dois extremos foi percorrido com irresponsabilidade, imediatismo e busca de um apelo midiático típicos dos candidatos que querem impressionar eleitores.

 

Os gargalos ignorados pelo Governo não são poucos. O primeiro deles é a fragilidade da simplificação de questão tão complexa. Não, a assistência deficitária não é por culpa da falta de médicos. Primeiro, porque onde não há médicos, não há também enfermeiros, dentistas, psicólogos, nutricionistas e os outros profissionais implicados no atendimento das equipes de saúde.

 

Nestes locais, também não há estrutura física, equipamentos, insumos, acesso a exames e leitos. No planeta dos sonhos criado pelo marketing governamental, basta um médico para que a população tenha todos os seus males curados. Pura ilusão. Num primeiro momento, a expectativa pode até fechar os olhos de muitos, mas, com o tempo, os ralos surgirão e aos poucos a população verá que foi, mais uma vez, enganada.

 

Outra falha na estratégia governamental reside no mais completo autoritarismo típico dos tomadores de decisão que não apreciam o debate democrático. As medidas anunciadas saíram de reuniões das quais a sociedade não participou. O pacote foi desembrulhado do dia para a noite e, como era de se esperar, usou do desrespeito à legislação e aos direitos individuais e humanos para chegar aos seus objetivos.

 

Fecharam os olhos às leis que exigem que pessoas formadas em Medicina em outros países atuem no Brasil apenas após revalidarem seus títulos e comprovarem que sabem se comunicar bem em português. Argumentam falsamente que são detalhes desnecessários diante da desassistência da população alvo. Seria até aceitável se não expusesse esses brasileiros a situações de risco.

 

E se esses “estrangeiros” não tiverem a competência anunciada? E se eles não estiverem preparados para agir em situações de urgência ou emergência? E se não entenderem a fala dos seus pacientes e, por isso, errarem em seus diagnósticos e prescrições? E se, numa conjunção infeliz e indesejável, alguém perder a vida ou ficar sequelado? São tantas possibilidades reais que nos fazem questionar se a medida não foi desmesurada.

 

Por outro lado, não menos grave, é a decisão unilateral de rasgar compromissos internacionais e aceitar que práticas coercitivas e limitadoras dos regimes ditatoriais aconteçam em território nacional, sob o nariz da Justiça. O caso dos “médicos importados de Cuba” nos faz avançar perigosamente no território do vale tudo. É assim que resolveremos nossos problemas, dando abrigo às agressões aos direitos individuais e humanos?

 

Neste momento, no qual aproveito para agradecer todo o apoio recebido pelos médicos, professores e estudantes de Medicina, deixo uma mensagem de resistência aos colegas e à sociedade rondoniense. É preciso mostrar aos políticos que as decisões tomadas têm um custo intransferível. Por isso, devem reavaliar sua conduta para livrarem nosso Estado e o país das garras de práticas que nada têm a ver com o espírito solidário dos brasileiros.

 

A Constituição de 1988 determina que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Mas para chegar até esse objetivo os passos precisam ser medidos, eficazes e seguros. Cortinas de fumaça se dissipam, não duram para sempre. Neste momento ficará evidente para todos a diferença entre a mentira e a verdade, entre os reais amigos e os inimigos da população. Caberá ao tempo e à nossa mobilização esclarecer tudo.

 

 

Dr. José Hiran da Silva Gallo

     Ginecologista e obstetra. Formou-se, em 1979, na Faculdade Estadual do Pará. Aluno de doutorado em Bioética, na Universidade do Porto. Fundador do Sindicato dos Hospitais de Rondônia; ex-tesoureiro da Sociedade Rondoniense de Mastologia e ex-presidente do Conselho Regional de Medicina de Rondônia (CRM-RO). Participa da Academia de Medicina de Rondônia e da Sociedade Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia. Desde 2000, representa seu estado no CFM, é tesoureiro e atuou na Comissão de Tomada de Contas. Na atual diretoria, além de tesoureiro, coordena as Comissões de Cooperativismo e de Mortalidade Materna.
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