A constatação de mais de 100 mil mortes no Brasil em decorrência da Covid-19 se tornou um marco simbólico para uma tragédia nacional sem precedentes. Atônitos, assistimos à construção desse número que esconde histórias de vida abruptamente interrompidas. São homens e mulheres, de diferentes idades, nível socioeconômico e grau de escolaridade, que partiram cedo deixando famílias, amigos e colegas de trabalho.

Em meio a esse cenário desolador, muitos se apressam em buscar culpados pelo rastro de vítimas deixado pela pandemia de coronavírus, como se essa responsabilidade se moldasse como uma luva sobre apenas uma pessoa ou instituição. Numa simplificação equivocada da realidade, afeita a quem sai à caça de bruxas e de bodes expiatórios, ignoram que em processos dessa complexidade erros e acertos se sucedem, de modo quase involuntário.

Pessoalmente, entendo ser um equívoco atribuir ao presidente Jair Bolsonaro a culpa absoluta por essa catástrofe. Se ele cometeu deslizes na comunicação dessa crise, por outro lado, não se pode ignorar que seu Governo se desdobrou para aumentar a oferta de leitos de internação e de UTI para atender os casos mais graves de Covid-19. Da mesma forma, trabalhou pela capacitação e contratação de médicos e demais profissionais da saúde e repassou recursos para estados e municípios executarem suas ações locais.

Dentre os gestores públicos (governadores, prefeitos, secretários de saúde), muitos têm exercido com dignidade o que deles se esperava, adotando políticas que fortalecem a prevenção ao contágio, o acesso ao tratamento precoce e a garantia de resolutibilidade na assistência quando os pacientes necessitam de suporte de maior complexidade. Infelizmente, nem todos rezam por essa cartilha e não foram raros os casos de irregularidades no uso da verba pública, com desvios suspeitos e comprovados. Será que sobre os que se portaram tão mal não paira qualquer culpa?

O mesmo questionamento vale para o Judiciário que, em determinados momentos, criou obstáculos à tomada de decisões do Executivo no enfrentamento da Covid-19, e para parcela importante dos veículos de comunicação que passaram a tratar a doença e morte como partes de um espetáculo macabro, insuflando pânico em lugar de esclarecimento.

A saída dessa crise ainda deve demorar. Os mais otimistas apontam para 2021, contando com o advento de uma vacina eficaz para imunizar a população. Até lá, mais do que nunca, o País precisará marchar unido para reduzir o impacto da Covid sobre a vida dos brasileiros, em especial a parcela para pobre e desfavorecida.

Esse é o fato concreto pelo qual a Nação deve encontrar respostas com honestidade e dignidade, encarando a pandemia e suas variáveis com a complexidade que o tema encerra e evitando o reconforto simplificador da transferência da responsabilidade. Somente assim sairemos maiores dessa emergência epidemiológica, buscando estabelecer alianças em favor da vida, em lugar de encontrar culpados pela morte.

 

José Hiran da Silva Gallo
Diretor-Tesoureiro do Conselho Federal de Medicina (CFM)
Doutor e pós-doutor em bioética

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