José Hiran da Silva Gallo 

 

Diretor-tesoureiro do Conselho Federal de Medicina 

 

Pós-doutor e doutor e em bioética 

 

A prisão do agente penitenciário Oziel Araújo Fernandes, suspeito de ter jogado ácido no rosto do médico infectologista Gladson Ferreira, é mais um desdobramento do crime que chocou Rondônia, na semana passada. O caso, que envolve diversos elementos, ainda passa pelo crivo das apurações da Polícia e da Justiça, porém, a forma como tudo aconteceu não impede reflexões a partir dessa tragédia.

Num primeiro momento, chama a atenção a banalização da violência no cotidiano, a qual assume proporções assustadoras quando se avalia que esse e outros crimes envolvem planejamento e preparo. São ações premeditadas, com a finalidade de causar sofrimento duradouro. Infelizmente, a crueldade das escolhas tem revelado o desprezo de alguns pelos outros.

As situações ocorridas com o médico Gladson Siqueira e tantas outras vítimas nos fazem pensar no valor atribuído à vida humana. Afinal, o que acontece com indivíduos que abandonam, propositalmente, os princípios do altruísmo e do respeito ao próximo, embarcando numa espiral de agressões que incluem o bullying nas escolas, as ameaças domésticas e os atos extremos que resultam em dor e morte?

Será que testemunhamos o resultado de uma crise vivenciada pela família, como elemento fundamental na formação de homens e mulheres? As falhas do sistema educacional teriam sua parcela de responsabilidade nesse processo, assim como as “ausências” da máquina pública, incapaz de oferecer aos cidadãos acesso à dignidade social, agudizando um quadro de revolta que um dia leva a reações desproporcionais? O sentimento de impunidade pela demora nos processos judiciais e a exposição constante a violência nos meios de comunicação e de lazer também influenciam as atitudes controversas?

Há tantas perguntas e certamente não existe apenas uma resposta para o caos que assistimos. Para entender as causas do fenômeno da violência, em seus múltiplos matizes, serão necessários anos de estudos profundos para o desenvolvimento de ações que busquem reparar danos na origem, resgatando compromissos entre os seres humanos que, aos poucos, estão se perdendo.

Contudo, além dessa abordagem teórica e de longo prazo, cada um – individualmente ou em seus grupos de convivência (escola, associações, igreja, família, etc.) – deve e pode fazer sua parte, atribuindo espaço nas suas rotinas ao diálogo, ao afeto e à solidariedade. Pelo exemplo de alguns podemos começar a mudar o nosso mundo e o mundo inteiro.

Mas esse é apenas um aspecto a ser analisado. De forma complementar, o caso que envolveu o médico infectologista demonstra que há necessidade de o Estado – enquanto responsável maior pelo bem-estar coletivo – adotar medidas que tragam maior segurança aos cidadãos. Enquanto não se alcança a transformação esperada, por meio do resgate dos valores, cabe aos gestores oferecer o aparato de proteção que inibe a violência.

Talvez esse caso não tivesse acontecido se o estacionamento do Centro de Medicina Tropical de Rondônia (Cemetron), em Porto Velho, contasse com agentes armados e preparados para abordar atitudes suspeitas. Instituições como essa, assim como escolas e outros pontos de grande fluxo, precisam de uma vigilância que não se ocupe apenas do patrimônio, mas das vidas e da integridade daqueles que por ali transitam. Assim, ciente de seu papel nesse processo, o Governo precisa avaliar a implementação de ajustes no sistema de segurança nesses locais.

Todos nós, cidadãos comuns, contamos com essa rede de proteção, patrocinada pelo Estado. Se permanecermos privados de uma condição de tranquilidade no dia-a-dia, os rondonienses continuarão a ser testemunhas da violência, em diferentes formas de manifestação. Refém desse quadro, vale lembrar que, dificilmente, uma sociedade alcançará o desenvolvimento econômico e social que almeja se estiver paralisada pelo medo. 

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