*José Hiran da Silva Gallo* 

_Diretor-tesoureiro do Conselho Federal de Medicina_ 

_Pós-doutor e doutor e em bioética_ 

 

Quem alega beber socialmente afirma que tem total controle sobre esse hábito. Mas será que não vai sentir falta se, de uma hora para outra, o encontro com os amigos deixar de ser regado a uma ou mais doses? 

 

Pois é, a questão é que em muitos casos essa necessidade “social” vem embalada pelos apelos publicitários que a indústria estrategicamente coloca dentro de nossas casas e vidas. Nos anúncios, beber se torna símbolo de status, de sucesso na vida em todos os aspectos. 

 

Nas propagandas, ninguém enfrenta dependência, fica doente por conta do consumo excessivo do álcool ou passa por dificuldades com a família, amigos ou o trabalho. O ato em si é dourado. Tanto quanto o são a cerveja, o uísque ou mesmo alguns tipos de cachaça. 

 

Há inúmeros estudos que confirmam a influência da publicidade de bebidas alcoólicas na adoção de comportamentos relacionados ao consumo da bebida. Porém, o maior problema é que as principais vítimas desse apelo são as crianças e adolescentes, que passam a ver a bebida alcoólica como a indústria quer e não como ela realmente é. 

 

Por isso, a regulamentação da publicidade de bebidas alcoólicas precisa ser aperfeiçoada no Brasil. Atualmente, há apenas algumas leis que tratam do assunto, mas deixando abertas lacunas que favorecem os interesses da indústria e deixam a população vulnerável aos excessos nessa abordagem. 

 

Por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990) trata apenas do que classifica como propaganda enganosa ou abusiva, sem qualquer referência específica às bebidas alcoólicas. 

 

Por sua vez, o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, fixa regras para a propaganda de bebidas com teor alcoólico igual ou inferior a 13° (cerveja, vinho). Contudo, não há qualquer mecanismo que obrigue as empresas e os profissionais a obedecerem essa norma. 

 

Finalmente, a Lei n° 9.294/1996 dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de tabaco, medicamentos, defensivos agrícolas e bebidas alcoólicas. Porém, por filigranas técnicas a publicidade de cerveja e da maioria dos vinhos não é atingida pela regra. 

 

Em outros países, o rigor é maior. Na França, desde 1993, está proibida a publicidade, na TV e nos cinemas, de qualquer bebida cuja graduação alcoólica esteja acima de 1,2º GL.

 

A lei francesa também proíbe o patrocínio de eventos culturais e esportivos por empresas produtoras de bebidas e a publicidade no rádio durante o período das 17h à meia-noite. A propaganda dirigida a menores é vedada, assim como aquela do tipo “estilo de vida”. 

 

Na Irlanda, as emissoras de rádio e TV são proibidas de veicular anúncios de destilados. Da mesma forma, as outras bebidas não podem ser anunciadas antes de programas esportivos. Na Suécia, a publicidade de destilados, vinhos e cervejas com graduação alcoólica superior a 2,25º GL é permitida somente nos pontos de venda e em revistas para comerciantes. 

 

Nos Estados Unidos, a lei proíbe a associação com atividades esportivas, bem como a utilização de atletas famosos consumindo álcool. Também são vedados: o direcionamento a menores; a associação com maturidade; o uso da graduação alcoólica elevada como um atrativo; e a sugestão de que a bebida tem propriedades terapêuticas ou melhora o desempenho físico. 

 

Se eles conseguiram, por que não apertamos o cerco contra a propaganda abusiva também no Brasil? Há pelo menos quatro projetos importantes que tratam sobre o tema em tramitação no Congresso Nacional. Cabe à população e às entidades que defendem a saúde e a vida, como os conselhos de medicina, lutarem por sua aprovação. 

 

Se o comportamento com relação ao álcool está sob influências também das regras de consumo, o que inclui o impacto da publicidade e a propaganda, o Brasil precisa fazer sua lição de casa e mostrar que pode impor limites às bebidas alcoólicas em nome do futuro das novas gerações. 

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